Corria o mês de Abril do ano de 1911, quando “os sócios do Sindicato Agrícola de Bombarral” decidiram construir a sua Caixa de Crédito Agrícola.

 

Corria o mês de Abril do ano de 1911, quando “os sócios do Sindicato Agrícola de Bombarral” decidiram construir a sua Caixa de Crédito Agrícola. A República tinha apenas nove meses e decreto de Brito Camacho (que organizou o Crédito Agrícola através das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo) pouco mais de 30 dias.

A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Bombarral (CCAMB) tornava-se, assim, uma das primeiras em todo o País a adquirir estatuto legal, ao abrigo da nova legislação da República. A 20 de Junho desse mesmo ano iniciou oficialmente a sua actividade.

Até aos nossos dias, e já lá vão 100 anos, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Bombarral (a mais antiga em termos de funcionamento consecutivo) esteve sempre entre as que lideraram os processos de transformação ocorridos no sector, desempenhando um papel de destaque na dinamização e implementação das estruturas que formam hoje o movimento mutualista agrícola.

Passar em revista as dez décadas da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Bombarral é constatar uma história de sucesso e, em simultâneo, acompanhar o desenrolar de vidas dedicadas à causa do cooperativismo agrícola. É verificar o sucesso do desenvolvimento, só possível com iniciativa e trabalho, assentes em estruturas de apoio sólidas. Longo foi o caminho. Com altos e baixos, mas com alicerces. Nas lutas (sempre estimulantes) nas vitórias e nas (poucas) derrotas. A Caixa de Crédito Agrícola esteve sempre presente quando a lavoura do Bombarral precisou, não se limitando ao papel de receber depósitos e de conceder créditos. Sempre, ao longo de todo este tempo, foi uma referência. Um local de reflexão, de alertas, de apoio e de inovação, virada para os agricultores, servindo-os.

Os primeiros anos da CCAMB decorreram, naturalmente, à sombra do Sindicato Agrícola, dele dependendo e nele funcionando. Pode mesmo dizer-se que a Caixa neste período não terá sido muito mais que uma forma de canalizar verbas (poucas) para a organização-mãe.

Dessa fase existe pouca documentação relativa à actividade da CCAM. Os relatórios – quando os havia – não eram mais que um apêndice aos elaborados sobre a actividade do Sindicato. E este, de acordo, por exemplo, com a Gerência de 1911, vivera os primeiros anos do século com dificuldades.

Em Janeiro desse ano, com efeito, o Sindicato tinha apenas 42 sócios e a direcção abandonara funções em pleno mandato, deixando, como acusavam os directores eleitos em Assembleia Geral extraordinária, “o Sindicato ao abandono”.

A nova direcção, até final de 1911, consegui um notável incremento no número de associados, que cresceu para os 124, e negociou os preços do sulfato, do enxofre e sementes para os sócios, obtendo “significativas reduções” junto dos fornecedores.

Quanto à CCAMB, o relatório desse ano reservou-lhe algumas linhas: “Foi uma das mais belas conquistas do Sindicato, a inauguração da nossa Caixa de Crédito” (…) “que dentro de pouco tempo se tornará uma das mais alavancas de progresso agrícola”.

Em 1912, no entanto, a Direcção da CCAMB elaborou um pequeno relatório (o único que há notícia em toda a primeira década de vida da Caixa), relatório esse que se referia apenas, e de forma muito “arcaica”, às contas relativas à sua actividade nesse ano.

Esse documento registou, os nomes dos 20 sócios fundadores da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Bombarral (Júlio Tornelli foi o número 1) e de 84 sócios ordinários. Um total, portanto, de 104 associados do Bombarral, Óbidos, Casal das Barreiras, S. Mamede, Pó  Columbreira, Carvalhal, A-dos-Negros, Sanguilhal, Olho Marinho, Barrocalvo, Amoreira, A-dos-Ruivos, Sobral do Parelhão, Vale de Pato, Quinta do Carvalhedo, Salgueiro, Casal da Cotovia, Sobral da Lagoa, Casal do Bom Vento, Casal Fieis de Deus, A-dos-Francos, Famões, Quinta do Vale, Vermelha, Traz do Outeiro, Columbeira.

Os anos seguintes, apesar do entusiasmo e dedicação de várias direcções, não foram fáceis e o crescimento foi lento. A República dava os primeiros passos, a I Guerra (1914-1918) trouxe dificuldades e as mudanças várias registadas no País a nível político criaram indefinições que atingiram todos os sectores da vida económica. Acresce que as Caixas de Crédito, de uma forma geral, eram bastante frágis sob o ponto de vista organizativo.

A Caixa do Bombarral não fugia à regra geral. E, diga-se, em abono da verdade, documentos posteriores da própria CCAMB continham bastantes críticas à gestão desses tempos, que alegadamente, por menos correcta, afastou inúmeros associados.

 

“Em 1924, a CCAMB, apesar das dificuldades (…)  teve um lucro líquido de 2.832$10.”

 

O Regulamento do Crédito Agrícola, publicado em 1919, veio regular as Caixas de forma muito pormenorizada, indicando formas de organização e gestão, e impor regras sobre questões relacionadas com fundos, depósitos e empréstimos, garantias, juros e articulação com os sindicatos.

A informação é também bastante escassa no que respeita à década de 20. Os tempos continuavam difíceis e disso se ressentia a CCAMB. A inflação disparou, a moeda desvalorizou e os meios financeiros estatais chegavam quando chegavam, para desespero de quem devia emprestar e, principalmente, de quem solicitava o crédito. Os juros subiam, atingindo os 9% .

Em 1924, a CCAMB, apesar das dificuldades – e de uma azeda e abundante troca de correspondência com a Direcção Geral do Crédito e das Instituições Sociais Agrícolas e com o próprio ministro da Agricultura, a propósito de verbas em dívida por parte daquele organismo estatal – teve um lucro líquido de 2.832$10.

É-nos imensamente grato poder constatar todos estes factos [os números de gestão], porque eles podem talvez, quem sabe? Trazer de novo para o seio da colectividade alguns valores que dela se afastam pelo receio, muito legítimo, aliás das funestas consequências que podiam ter advido, para todos, da péssima administração a que esteve sujeita a nossa Caixa, durante alguns anos”, afirmava a Direcção, no relatório daquele ano, o primeiro a ser elaborado em mais de dez anos.
A meio da década o número de sócios –  verificaram-se muitas demissões e exonerações no período do pós-Guerra e início dos anos 20 – era de um pouco mais de 300.

 

“A Europa estava mergulhada na mais sangrentas das guerras. Por cá, o País rural vivia sem grandes sobressaltos.”

 

Ultrapassados todos os problemas internos, a CCAMB entrou na década de 30 em “velocidade de cruzeiro”. Estabilizada, com uma gestão equilibrada. A Caixa merecia “total confiança às forças económicas do concelho”. O Fundo Social, por exemplo, totalizava. Em 1937, a, na altura, importante verba de 391.673$52. O número de associados já era quase de 900.

Referia o relatório da Direcção desse ano que “os capitalistas acorrem com os seus dinheiros confiando-os à guarda da Caixa e o comércio, temos disso a certeza, se um serviço de transferências de fundos fosse montado, apareceria também, na sua maioria, a efectuar essas operações por nosso intermédio. Em resumo, podemos afirmar que o Bombarral habituou-se a ver na nossa colectividade um pequeno banco onde, na medida do possível e dentro do âmbito da instituição, efectua as possíveis operações”.

Talvez por isso, no ano seguinte, os lucros da CCAMB foram “os mais avultados de sempre”, e o Fundo Social subiu para mais de 450 contos.

A década de 40, foi também de “contas equilibradas e gestão prudente”. A Europa estava mergulhada na mais sangrentas das guerras. Por cá, o País rural vivia sem grandes sobressaltos. Logo em 1941 o número de associados da CCAMB ultrapassava o milhar.

Durante todo o período as direcções tiveram de haver-se com um problema: abundância de capitais. Os depósitos cresciam e a relativa prosperidade económica da região não obrigava a empréstimos. Assim, a solução foi a aplicação dos excedentes noutras Caixas de Crédito Agrícola.

Em 1945, a CCAMB já tinha emprestada a congéneres a importante soma de 3.524 contos. Nesse mesmo ano, esgotada a capacidade de crédito foi decidido recusar mais depósitos.

Nos exercícios seguintes a situação manteve-se e as preocupações centravam-se na questão do “Crédito Hipotecário”, cuja legislação apenas permitia mutuar 25 por cento do valor matricial dos prédios rústicos e urbanos. A CCAMB fez a defesa da abolição daquela disposição e, ao mesmo tempo, lançou um apelo aos seus associados em condições de cadastrar as propriedades para que o fizessem, de forma a ampliar o seu espaço de manobra.

Os lucros líquidos mantinham-se, os elogios da Inspecção de Crédito Agrícola Mútuo (visita anual das instalações da CCAMB) também – tanto à própria instituição como a António Costa, o executivo e grande “alma” da casa. Até final da década, a questão do “Crédito Hipotecário” manteve-se em aberto, com alertas sucessivos para a possibilidade de “asfixia” das CCAM.

 

“Em 55/56, certamente, em resultado de más colheitas, os empréstimos da CCAMB suplantaram pela primeira vez os depósitos.”

 

Os anos 50, particularmente a primeira metade, mantiveram a linha de rumo que vinha da década anterior. A CCAMB, sob a “batuta” de António Costa”, trilhava um caminho de sucesso. A batata era, então, o segundo produto agrícola em termos de importância da região e começavam a surgir alguns problemas com a produção. O vinho, por sua vez, registava boas colheitas. O relatório de 1942 assinalava que “economicamente o concelho vive uma época de felicidade”.

Quanto à CCAMB, a sua direcção sublinhava, logo no ano imediato: “cada vez mais fortalecida sulca, a nossa Caixa, uma existência feliz, perfeitamente integrada na sua missão, apoiada num crédito cujas raízes têm dado sobejas provas de perfeita robustez”. Nas entrelinhas – onde, nessa altura, era preciso saber ler – registavam-se as queixas sobre as limitações colocadas pela legislação a um maior crescimento. Mas, apesar de tudo, o desafogo financeiro permitiu, nomeadamente, que em 1954 o juro aos sócios devedores fosse reduzido em meio ponto percentual.

Em 55/56, certamente, em resultado de más colheitas, os empréstimos da CCAMB suplantaram pela primeira vez os depósitos. No exercício do segundo daqueles anos o relatório assinalava que a instituição recebeu 12.767 contos de depósitos e emprestou 14.346. O número de associados activos já subira, nessa altura, acima dos 1.350. As disponibilidades de tesouraria permitiam, apesar de tudo, a continuação do investimento noutras Caixas de Crédito Agrícola.

A década de 60 foi fértil em acontecimentos marcantes, não apenas para a CCAMB como para o movimento mutualista agrícola. Logo em 1960, uma circular de Maio, da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado aboliu a isenção do Imposto de Selo de que beneficiavam as Caixas. A CCAMB desencadeou imediatamente um movimento de mobilização contra aquela medida administrativa, envolvendo grande número de Caixas, movimento esse que acabou coroado de êxito. Em 19 de Junho, foi obtida a garantia pessoal do ministro das Finanças da publicação de um decreto-lei que reportaria a situação anterior. Tal veio a verificar-se em 24 de Setembro.

 

“A “concorrência” obrigou a uma subida de 0,25% nos depósitos a prazo e de 0,5 pontos percentuais no crédito.”

 

Com o início da guerra colonial (1961) verificou-se um movimento de certo pânico, que conduziu a levantamentos significativos que chegaram a preocupar a direcção da CCAMB. No entanto, no último trimestre a situação normalizou-se. Nos anos imediatamente a seguir, face à “fuga” dos agricultores para a banca comercial, por a Caixa estar impedida de aumentar os financiamentos – mantinha-se o problema da insuficiência do valor cadastral – a direcção da CCAM manifestava as suas preocupações, considerando a legislação “decrépita” e “desfasada da realidade”. A “concorrência” obrigou a uma subida de 0,25% nos depósitos a prazo e de 0,5 pontos percentuais no crédito.

As boas notícias surgiram em finais de 1966, quando foram finalmente aplicadas as “matrizes cadastrais das propriedades rústicas” (Cadastro Geométrico), o que viabilizou a actualização dos valores cadastrais e permitiu o desenvolvimento das operações de crédito. Só que, a uma boa notícia se seguiu imediatamente mais uma decisão lesiva dos interesses do movimento mutualista: em 1967, por despacho de 9 de Agosto, os depósitos a prazo existentes nas Caixas de Crédito Agrícola passaram a pagar imposto de Capitais. Esse facto, a concorrência do mercado de capitais e da dispersão do crédito, colocou as Caixas em situação complicada, a obrigar a intensa movimentação de “bastidores”.

Referia, muito ao estilo da época, o relatório de actividades desse ano da CCAMB  que havia esperanças na acção de “um muito ilustre Membro do Governo que se debruçou sobre o assunto [Imposto de Capitais], a pedido das Caixas afectadas, e o tem em aturado estudo”. O “aturado estudo” teve resultados práticos em Abril de 1969, quando, por decreto-lei, foi abolido o Imposto de Capitais sobre os depósitos e, em simultâneo, foram eliminadas as limitações à concessão de crédito por parte das Caixas. Os resultados foram imediatos, com um grande afluxo de depósitos.

Neste período a CCAMB manifestava com regularidade a sua preocupação face à dificuldade cada vez mais acentuada em conseguir-se mão-de-obra para a agricultura – a emigração e a guerra colonial estavam na origem de um problema que, defendia a Caixa, poderia ser minorado com a mecanização da lavoura.

 

“Chegados à década de 70, a CCAMB com a situação estável (…)  preocupava-se com “o principal labor agrícola do concelho” – o vinho.”

 

Assinale-se que, no final da década, por falecimento (1969) do presidente da Direcção, Graciano José Elpídio, o executivo da CCAMB, António da Costa – na altura com 48 anos de serviços prestados à Caixa e ao mutualismo agrícola – assumiu a presidência.

Chegados à década de 70, a CCAMB com a situação estável (lucros de mais de 350 contos), 1411 associados ao Fundo Social fixado em 6.035.445$70, no ano de 1970), preocupava-se com “o principal labor agrícola do concelho” – o vinho. Apesar das boas colheitas surgiu o problema do escoamento com a redução de exportações para Angola e Moçambique. A fruticultura, entretanto já ocupava um lugar de destaque na produção de riqueza do concelho, ultrapassando em importância a cultura da batata.

Em 1972, António da Costa aposentou-se após 51 anos de dedicação à CCAMB. Nesse ano, os lucros líquidos bateram todos os recordes totalizando a verba de 620.129$40. A Direcção lamentava, no seu relatório  de Exercício que os associados não tirassem todo o partido da sua Caixa – os créditos abertos caucionados com garantia real cifravam-se, nesse ano, em cerca de 36,5 mil contos, mas os créditos utilizados pelos sócios, com igual garantia, não chegavam aos 14 mil. “Há muito pano para mangas”, sublinhava o relatório.

Ainda nesse ano, por despacho do ministro das Finanças e Economia, foi constituído um grupo de trabalho “incumbido de elaborar um estudo de um sistema de crédito agrícola devidamente revisto e correspondente às actuais necessidades e exigências do sector”. Um outro despacho do subsecretário de Estado do Trabalho e Previdência, encarregou uma comissão técnica para estudar e elaborar uma portaria para regulamentar as relações de trabalho entre as Caixas e o pessoal ao seu serviço. O presidente da Direcção da CCAMB integrou, a convite, essa comissão.

 

“Em 1975, realizou-se uma reunião histórica: cem Caixas reuniram-se em Lisboa para reformulação do Regulamento de 1919.”

 

Com o 25 de Abril de 1974 abriram-se, de novo, boas perspectivas para o movimento cooperativo. Imediatamente se desencadeou, de forma aberta e clara, a contestação ao Regulamento de 1919, nessa altura ainda mais desfasado da realidade que antes. A CCAMB, para lá da denúncia pública dos “estrangulamentos” sentidos durante os 48 anos de Estado Novo, encabeçou, juntamente com outras das mais importantes Caixas, um movimento visando a revisão legislativa do sector e a contestação à dependência directa da Caixa Geral de Depósitos.

Ainda nesse ano (em que as taxas de juro foram agravadas três vezes), foi publicado o primeiro Acordo Colectivo de Trabalho dos funcionários das Caixas e, pela primeira vez, em 63 anos, organizações cooperativas do sector agrícola do concelho recorreram a empréstimos da CCAMB.

Em 1975, realizou-se uma reunião histórica: cem Caixas reuniram-se em Lisboa para reformulação do Regulamento de 1919. Desse encontro saiu um grupo de trabalho de cinco Caixas (que integrou, naturalmente, a de Bombarral) encarregue de estudar o assunto. Só que, dentro do movimento se criaram outras comissões (situação própria de uma época fértil em acontecimentos desse tipo) e instalou-se a confusão.

No período, sucederam-se as reuniões (de âmbito nacional ou mais restritas), os avanços e recuos. O ano de 1977 marcou o arranque da formação de Federações Regionais e, no que à CCAMB diz respeito, integrou como vogal o Conselho Coordenador do INSCOOP e foi eleita, de novo, para um grupo de trabalho encarregue de rever o sistema de Crédito Agrícola.

A contestação à actuação da Caixa Geral de Depósitos, recorde-se a instituição de tutela das Caixas, mantinha-se. Em 1978, a CCAMB acusa a CGD de dar ao Governo informações desfavoráveis para o movimento cooperativo porque, afirmava a direcção da CCAMB, as “Caixas de Crédito lhe faziam concorrência nas zonas rurais”.

Deve referir-se, aliás que o comportamento da CGD não ajudava a apaziguar a animosidade do movimento cooperativo e mutualista. Só como exemplo, em 1978, a CGD preparou, à revelia das Caixas e ignorando o trabalho do grupo eleito em 1977,um projecto próprio para a revisão do sistema de Crédito Agrícola! E curioso é que o Governo de então se preparava para o aprovar, apesar da contestação dos interessados principais – as Caixas de Crédito.

Em 1978, a 16 de Setembro, foi finalmente criada a Federação Regional das Caixas do Centro (FERECC), e a CCAMB foi eleita para a presidência. No ano seguinte, o seu representante, através da Federação foi reeleito para o Conselho Coordenador do INSCOOP.

 

“O final dos anos 80 são de críticas à recém-constituída Caixa Central, acusada de “centralista” e de, por isso, não respeitar os princípios do movimento cooperativista.”

 

O início da década de 80 foi marcado por movimentações intensas, sempre com a CCAMB envolvida, que conduziram a factos da máxima importância para a regulamentação do sector. A Caixa Geral de Depósitos deixou de ser tutela (passou para o Banco de Portugal), as Caixas de Crédito adquiriram o estatuto de “instituições especiais de crédito” e foi constituída a Caixa Central, de que a CCAMB é o sócio número 2.

Foi também o período em que a CCAMB ultrapassou os dois mil associados, remodelou o edifício-sede, adquiriu meios informáticos e pela primeira vez na sua já, então, longa história, fez um financiamento à Câmara Municipal de Bombarral!

O final dos anos 80 são de críticas à recém-constituída Caixa Central, acusada de “centralista” e de, por isso, não respeitar os princípios do movimento cooperativista. Refira-se que a CCAMB chegou a encarar a hipótese de demissão.

A última década do século XX, com avanços muito rápidos em todos os sectores da vida económica e agrícola, ficou assinalada pela consolidação de estruturas e pelo arranque para a modernização da CCAMB, visando a sua adaptação a realidades bem diferentes e a muito maiores exigências. Sempre envolvida na liderança de todas as movimentações das CCAM, a primeira parte dos anos 90 foi marcada pela contestação ao novo regime jurídico do crédito agrícola, considerado demasiado centralista.

Neste período a CCAMB desenvolveu esforços no sentido da criação do Mercado de Origem do Litoral Oeste, inaugurou a sua delegação do Pó, decidiu avançar para a construção do seu novo edifício-sede e abriu em Lisboa um escritório de apoio, juntamente com as outras quatro Caixas (Chamusca, Mortágua, São Bartolomeu de Messines e Vila Franca de Xira) não integrantes do SICAM (Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo). Foi também a altura de adaptação ao Euro, da renovação informática e, no final da década, da abertura do crédito aos sócios.

Em 2000, o complexo que integra a nova sede, edificado bem no centro de Bombarral, ficou concluído, anunciando-se a sua inauguração para a data do 90º aniversário em 2001.

Aos 90 anos, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Bombarral tem cerca de três mil associados, dignos sucessores daquela vintena que, em 1911, sonhou e criou os alicerces para a edificação de um dos baluartes mais sólidos do Crédito Agrícola Português.

 

“As origens do mutualismo agrícola”

 

As origens do mutualismo agrícola em Portugal remontam ao século XVI, reinava D. Sebastião, altura em que surgiram e se institucionalizaram os Celeiros Comuns, estabelecimentos geridos por eclesiásticos e por responsáveis municipais que concediam crédito (em espécie) à lavoura. Os Celeiros emprestavam (principalmente) sementes e recebiam, depois, o “capital” e o respectivo “juro” em géneros, quando o agricultor necessitado efectuava a colheita seguinte.

O sistema funcionou durante três séculos, vindo a ser substancialmente alterado em 1862, data a partir da qual tanto os empréstimos como a sua liquidação deixaram de efectuar-se em géneros. As sucessivas subidas das taxas de juro, que dificultavam o recurso ao crédito, provocaram uma gradual diminuição da importância dos Celeiros Comuns, extintos logo após a implementação da República. Ainda no século XIX, surgiu, em 1864, o crédito fundiário, pela mão da Companhia Geral do Crédito Predial Português, que concedia empréstimos sobre hipotecas rústicas e urbanas. Uma lei de 1866, por outro lado, concedeu às Misericórdias e outras instituições de carácter social a possibilidade de formarem bancos a nível local, habilitados a realizar operações de crédito agrícola e industrial. No ano seguinte (2 de Julho de 1867) foi publicada a primeira lei de organização das sociedades cooperativas (que veio a ser conhecida por Lei Basilar do Cooperativismo Português), legislação que previa e regulava a constituição de cooperativas de crédito.

Já no reinado de D. Carlos, a Carta de Lei de 3 de Abril de 1896, considerava a lei base do associativismo agrícola, previa expressamente a criação de Caixas de Crédito Agrícola, no âmbito dos Sindicatos Agrícolas. Foi ao abrigo desta lei, inspirada no modelo francês, que surgiram em Portugal as primeiras Caixas Agrícolas. O diploma afirmava logo no seu Artigo 1º: “É permitida aos agricultores e aos indivíduos que exerçam profissões correlativas à agricultura a fundação de associações locais, com a denominação de Sindicatos Agrícolas, tendo por fim principal estudar, defender e promover tudo quanto importe aos interesses agrícolas gerais e aos particulares dos associados”.

Poucos meses após a implementação da República, em 1 de Março de 1911, o Governo Provisório de Teófilo Braga aprovou um decreto que organizou o crédito agrícola através das Caixas de Crédito Agrícola Mutuo e cujo conteúdo perdurou, no essencial, até 1982.

O diploma, considerado de autoria de Brito Camacho, ministro do Fomento, como que inverteu o estipulado na Carta de Lei de 1896, no que respeita à relação Sindicatos Agrícolas-Caixas de Crédito Agrícola. Estas deixavam de se constituir “no âmbito” dos sindicatos, ganhando, portanto,”carta de alforria”, mas eram obrigadas a ter “a seu lado” o “componente sindicato” – “Nenhuma Caixa de Crédito Agrícola Mutuo se poderá organizar ou funcionar sem que seu lado esteja constituído e trabalhando o competente sindicato”, determinava a lei, acrescentando, ainda, só poderem ser sócios os agricultores que “se achem inscritos como sócios do sindicato funcionando na mesma região”. Os sindicatos agrícolas perderam com esta lei a possibilidade (que detinham desde 1896) de efectuar operações de crédito.

O decreto de Brito Camacho, também ele inspirado no modelo francês de crédito agrícola, juntou a componente privada e mutualista das Caixas Agrícolas, à pública, ao subordiná-las à tutela governamental, através da Junta de Crédito Agrícola, integrada no Ministério do Fomento. O diploma determinou, por outro lado, a canalização através das Caixas dos fundos públicos para o fomento agrícola. Refira-se, como curiosidade, que o decreto de 1911 previa a criação de uma Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo que, quando constituída funcionaria em Lisboa. Foi preciso esperar por 1984 para que ela surgisse, já que os requisitos impostos na lei para que tal pudesse verificar-se nunca se concretizaram (criação de Caixas Distritais).

Em 30 de Junho de 1914, o Congresso da República deu força de lei ao decreto de 1911, mantendo no essencial todo o articulado de Brito Camacho. Cinco anos depois, 8 de Janeiro de 1919, um novo decreto, considerado fundamental na estrutura jurídica do Crédito Agrícola Mútuo, regulou, ao longo de 773 artigos, as Caixas Agrícolas de forma pormenorizada. Manteve-se até 1982.

A legislação sobre a matéria continuou, nos anos seguintes, a regulamentar as actividades das Caixas. Destaque para os dois diplomas publicados em 1925. Um decreto de 20 de Março regulou o sistema bancário, que teve naturalmente reflexos na actividade do Crédito Agrícola; um outro, de 22 de Julho criou e regulamentou a Caixa Geral de Crédito Agrícola, extinguindo a Direcção Geral do Crédito e das instituições Sociais Agrícolas, que até aí havia tutelado as Caixas.

Em 1926, um novo decreto (de 25 de Junho), determinou a separação definitiva das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo dos Sindicatos Agrícolas. Isto por se considerar que tal “associação” legal havia sido limitativa da expansão das Caixas e, nalguns casos, havia, mesmo, conduzido ao seu encerramento. O mesmo diploma determinou também a passagem das Caixas a estabelecimentos de utilidade pública.

Oliveira Salazar, ministro das Finanças da Ditadura, extinguiu a Caixa Geral de Crédito Agrícola ao criar, em 27 de Março de 1929 a Caixa Nacional de Crédito integrada na Caixa Geral de Depósitos, entidade que, de acordo com os princípios centralizadores que caracterizaram a sua actuação, primeiro como ministro e, depois, como chefe do Governo, passou a tutelar as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo. De acordo com o decreto publicado naquela data, a Caixa Nacional de Crédito centralizou todos os serviços e operações do Estado directamente relacionados com o crédito agrícola, industrial e outros.

Em pleno Estado Novo, a intervenção do Governo nas Caixas de Crédito Agrícola Mútuo acentuou-se ainda mais claramente a partir da publicação do decreto /17 de Outubro de 1939) que previa “em casos de reconhecida urgência que [ a Caixa Nacional de Crédito ] considere devidamente informados e justificados, substituir as direcções das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo por comissões administrativas de sua escolha”. Ainda que o preâmbulo do diploma afirmasse que a medida não pretendia “limitar a autonomia” das Caixas, mas, antes, acorrer a situações de gestão deficiente, é óbvio que o articulado permitia uma intervenção discricionária do poder político, mantendo permanentemente sobre as direcções das Caixas – democraticamente eleitas – o “cutelo” da intervenção arbitrária do Governo.

Não espanta. Assim, que a expansão do mutualismo agrícola tenha sofrido um forte abalo. Se entre 1911 e 1929 haviam surgido em todo o País cerca de 140 Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, no longo período de 1930 a 1974 o saldo entre as que foram criadas e as que foram dissolvidas situa-se em apenas cerca de 40.

Após o 25 de Abril de 1974, particularmente entre 1978 e 1982, foram constituídas mais 32 Caixas, resultado das expectativas geradas com a hipótese da extinção da tutela por parte da Caixa Geral de Depósitos. Tal feito prolongar-se-ia, aliás durante toda a década de 80.

A Federação Nacional das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo (Fenacam) foi constituída em 1978, desempenhando a partir daí papel de relevo no processo de autonomização do sector.

Em 1982, as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo passaram, por decreto de lei de 17 de Junho, a ser tuteladas pelo Banco de Portugal, em condições semelhantes às demais instituições de crédito. Cessou, assim, a dependência da Caixa Geral de Depósitos (que integrara, em 1969, a Caixa Nacional de Crédito).

Dois anos depois (20 de Junho de 1984) constituiu-se, finalmente, por escritura pública, a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, concretizando – ainda que com um enquadramento bastante alterado – o previsto no decreto de Brito Camacho, redigido 73 anos antes.

Já na década de 90, um novo decreto lei (11 de Janeiro 1991) institucionalizou o Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo (SICAM), constituído pela Caixa Central e pelas Caixas Associadas (a do Bombarral e quatro outras não o integraram). O diploma, que prevê a liberdade de associação das Caixas à Caixa Central, atribui a esta, funções e poderes em matéria de representação do SICAM, bem como de orientação, fiscalização e, se necessário de intervenção na gestão das Associadas. A criação do SICAM teve, entre os seus objectivos principais, o de isentar as Caixas de alguns requisitos impostos pela Directiva de Supervisão Bancária da Comunidade Europeia.

Existiam em actividade 140 Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, das quais 135 faziam parte do SICAM. As cinco restantes estavam fora do Sistema (Bombarral, Chamusca, Mortágua, São Bartolomeu de Messines e Vila Franca de Xira), agrupadas na Crediagrícola.

 

“Comemoração do seu 90º Aniversário”

 

Com a comemoração do seu 90º Aniversário, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Bombarral inaugurava as suas novas instalações, um sonho antigo agora tornado realidade, por vontade dos associados e necessidade operacional.

Os tempos exigem funcionalidade e adaptação. Daí a decisão de avançar para a construção de um espaço que estivesse de acordo com a importância da Caixa Agrícola, com a sua longa história e com a necessidade de servir melhor quem fez dela a sua Casa.

Pelas características que se reveste nos dias de hoje a actividade bancária, e pela exiguidade e falta de condições do edifício-sede que ocupava desde os anos 40, a Caixa Agrícola pretendeu, ao avançar para a construção da nova sede (integrada num centro de comércio, serviços e habitação) complementar, promover e estimular a actividade económica da vila e proporcionar um bom enquadramento à Caixa Agrícola.

O centro de Serviços, Habitação e Comércio que inclui as novas instalações da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Bombarral, situa-se em parte do quarteirão definido pela Rua do Comércio, Rua Henriques Furtado e Rua Veríssimo Duarte, e foi construída em terreno propriedade da Caixa de Crédito, ali bem perto da antiga sede.

O projecto da autoria do Arquitecto Luís Freitas, teve em conta a percepção do lugar, a sua morfologia e alinhamentos. Teve igualmente presente os condicionalismos técnicos e urbanísticos, que conduziram à integração do projecto num conceito de desenvolvimento global integrado para a vila de Bombarral.

A construção contemplou, também, a vocação e orientação da criação de condições locais que possibilitem a efectivação da criação de maior actividade económica, cultural e consequente criação de maior número de postos de trabalho.

Ao partirem para o estudo do complexo onde se integra a nova sede, os projectistas tiveram, também, em conta a concepção racional e funcional da adaptação do programa ao espaço existente, procurando tirar partido das melhores condições da morfologia e acessibilidades funcionais da área.

Pretenderam, ainda, criar condições que possibilitassem “dar vivência salutar do espaço miscenizando áreas de actividade terciária com habitação e espaços de cultura” e, por outro lado, integrar a área de construção no tecido urbano existente naquela zona da vila, contribuindo para a valorização da área pedonal na Rua do Comércio.

O complexo onde se integra a nova sede tem três pisos abaixo do solo, onde se localizam os estacionamentos que servirão as habitações e serviços, caixas fortes da CCAMB e arrecadações.

Ao nível da rua, no primeiro piso situam-se as instalações públicas da Caixa Agrícola, um Centro Comercial, o auditório e a recepção do Centro de Serviços. Nos pisos 2 e 3 localiza-se área de habitação e serviços, e, no quarto, habitação (na frente do lote para a Rua do Comércio) e serviços e habitação (na frente do lote para a Rua Veríssimo Duarte). O quinto piso (frente para a Rua Veríssimo Duarte) é também destinado a serviços.

 

Centenário

 

Fundada em 8 de Abril de 1911, e tendo iniciado as operações de crédito agrícola mútuo em 20 de Junho seguinte, a actividade da Caixa de Bombarral completou em 2011 cem anos ao serviço do concelho, da região e do sector cooperativo em Portugal.

No longo caminho já percorrido, devem ser recordados e salientados alguns dos mais importante passos (“nunca maiores que a perna”, refira-se!) da vida da instituição. Assim, e segmentando essa vivência em 5 períodos, tidos por diferenciadores das principais situações institucionais e organizacionais do Crédito Agrícola ao longo do tempo (nesse sentido, ver Maria Inês Mansinho, 2009), temos:

 

1 – Período de 1911 a 1929

“Na primeira República e na sequência da legislação aprovada, as CCAM
desenvolveram-se com alguma rapidez(…)”

 

2 – Período de 1929 a 1974

“Com a implantação das estruturas jurídicas e políticas do Estado Novo,
o  CAM sofreu um assinalável abrandamento(…)”

 

3 – Período de 1974 a 1982

“Com a Revolução de 25 de Abril de 1974, “os novos ventos democráticos iriam
abrir ao Crédito Agrícola Mútuo perspectivas de desenvolvimento nunca antes
registadas(…)”

 

4 – Período de 1982 a 1991

“A partir da aprovação do Regime Jurídico de 1982, o CAM entrou efectivamente numa nova era (sendo que) a criação em 1984 da Caixa Central do CAM e, em 1987, do Fundo de Garantia, são marcos de grande importância na afirmação/transformação do sistema. (…)”

 

5 – Período de 1991 a 2000

“O Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de Janeiro, e legislação complementar, que revogou o Regime Jurídico anterior vieram instituir o SICAM – Sistema Integrado de Crédito Agrícola Mútuo (…) A Caixa Central confirmava-se assim como organismo nuclear do SICAM e, sem prejuízo da competência própria do Banco de Portugal, tinha não só funções de representação do sistema, mas também de orientação e fiscalização e, quando necessário, de intervenção na gestão das suas associadas (…) Não era, porém obrigatória a adesão das CCAM ao SICAM, embora as regras de funcionamento para as Caixas não aderentes fossem mais exigentes e similares às aplicadas a outras instituições de crédito (…) As Caixas independentes (entre as quais a CCAM Bombarral) tinham grande capacidade financeira e discordavam da forma como a Caixa Central poderia vir a actuar (…)”